quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Professor cearense que descobriu fósseis de dinossauro carnívoro vai ganhar ‘Oscar’ da Paleontologia

 

Em 1960, o jovem Álamo Feitosa Saraiva observava com atenção os destemidos vaqueiros conduzindo o gado leiteiro criado por seu pai. A admiração era tão grande que ele sonhava em seguir a mesma carreira, tornando-se vaqueiro no Cariri cearense.

No entanto, o destino o levaria por um caminho diferente, fazendo-o explorar os mistérios ocultos sob o solo onde o gado pisava. Décadas depois, ele seria reconhecido com uma das mais prestigiadas premiações da paleontologia mundial.

Neste ano, Álamo foi agraciado com o prêmio Morris F. Skinner, que será entregue em novembro. O prêmio, concedido pela Sociedade de Paleontologia de Vertebrados (SVP) dos Estados Unidos, homenageia o paleontólogo americano Morris F. Skinner, que viveu de 1906 a 1989 e contribuiu significativamente para o acervo do Museu de História Natural de Nova York.

Em 24 anos de existência, essa honraria jamais havia sido atribuída a um brasileiro.

Jornada

Via Diário do Nordeste

Quando Skinner faleceu, Álamo havia acabado de se formar em Ciências Biológicas pela Universidade Regional do Cariri (Urca) e ainda não imaginava que um dia investigaria fósseis na Chapada do Araripe – uma formação geológica situada na divisa entre Ceará, Pernambuco e Piauí, famosa por seus fósseis do período Cretáceo, datados de mais de 100 milhões de anos.

“Até os 14 anos, meu sonho era ser vaqueiro”, relembra Álamo Saraiva em entrevista ao Diário do Nordeste. No entanto, ele conta que sempre teve uma conexão com a natureza: pegava peixes nos riachos e criava pequenos aquários, colecionava conchas e insetos.

Inicialmente, ele cogitou seguir carreira na Botânica, mas a influência do professor Plácido Cidade Nuvens, então vice-reitor da Urca, o fez se apaixonar pela Paleontologia.

Nos anos 1990, já como professor da universidade, Álamo Feitosa começou a acompanhar paleontólogos renomados, como Diógenes de Almeida Campos e Alexander Kellner, em expedições de campo.

O comprometimento e a paixão pela área o levaram a fundar e coordenar até hoje o Laboratório de Paleontologia da Urca.

Além disso, ele é curador do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri, produtor e diretor de filmes educativos, e autor de livros sobre paleontologia.

Apesar de seu extenso currículo, Álamo não se envaidece. Ele vê o prêmio como um reconhecimento pessoal, mas destaca o esforço coletivo de toda uma geração de pesquisadores da região.

Ele conta que o deixou um pouco acanhado, porque a Paleontologia é uma ciência que ‘nunca se faz sozinho’.

Incentivo à pesquisa

Plácido, cujo nome hoje batiza o Museu de Paleontologia, “era uma figura admirável, uma das pessoas mais inteligentes que já conheci”, lembra Álamo.

Embora fosse sociólogo de formação, Plácido reconheceu a importância de preservar os fósseis da região, que antigamente eram até vendidos em feiras livres no Cariri, e incentivou Álamo a seguir esse caminho.

Hoje, Álamo Feitosa contabiliza cerca de 10 outros pesquisadores que seguiram a “semente plantada por Plácido”. Assim, em um ciclo contínuo, muitos dos professores atuais da área saíram diretamente do Laboratório de Paleontologia que Álamo coordena. “Isso me traz muita alegria”, afirma orgulhoso.

Principais descobertas

Com quase 30 anos de trabalho em campo, Álamo acumulou diversas conquistas importantes, como o dinossauro carnívoro.

Por exemplo, ele foi um dos principais defensores do retorno do fóssil do dinossauro ancestral das aves, o Ubirajara jubatus, que foi contrabandeado do Ceará para a Alemanha em 1995. A devolução do material ao Brasil só foi concretizada em junho de 2023. Confira suas principais contribuições:

Aratasaurus museunacionali

Partes desse dinossauro carnívoro, que media cerca de 3 metros, foram recuperadas após uma explosão causada pela extração de gipsita, um mineral abundante na região e utilizado na fabricação de gesso e cimento.

Como faltavam equipamentos especializados para seu estudo, os fósseis foram enviados ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2015.

Com o incêndio no Museu Nacional em 2018, os pesquisadores temeram pela perda dos fósseis, mas, por sorte, eles estavam guardados em um anexo próximo e escaparam do fogo.

Camarões bioluminescentes

Além do dinossauro carnívoro, Álamo Feitosa também descobriu um grupo de camarões ocorre em partes da América do Sul e do sudeste asiático.

Muitos acreditavam que o grupo era recente, mas pesquisadores do Cariri encontraram o primeiro fóssil conhecido no mundo, com 115 milhões de anos. “Uma descoberta fantástica”, avalia Álamo.

Planta ancestral

Além disso, entre as plantas, a descoberta mais emblemática é de uma aluna sob sua orientação.

Pertencente à família gnetácea, de origem asiática, a planta recebeu o nome cientificamente como Arlenea delicata, em homenagem a uma professora da Urca.

A hipótese dos pesquisadores é que suas sementes foram espalhadas pelo mundo por pterossauros, grandes répteis voadores.

Legado para o futuro

Álamo espera que o prêmio traga mais visibilidade, investimentos e proteção aos fósseis do Cariri, já que, até hoje, muitas peças são alvo de tráfico internacional, resultando em grandes perdas para o patrimônio científico-natural do Ceará.

Ele conta que não deseja ver fósseis sendo transformados em gesso, cal ou cimento. Tanto o Governo Estadual quanto o Governo Federal precisam agir. O Governo Estadual já tomou medidas, como colocar o Batalhão de Polícia Ambiental para recolher fósseis em algumas áreas de exploração de calcário laminado, mas ainda enfrentam o problema da extração de gipsita na Bacia do Araripe.

Além da produção de conhecimento para a humanidade a partir do estudo do passado, Álamo Feitosa destaca que os fósseis também têm o potencial de gerar renda para a região por meio do turismo científico e de aventura, beneficiando pousadas, comércios e artesãos locais.

O pesquisador também enfatiza a importância de apresentar os fósseis “a todo custo” para as novas gerações, pois “ninguém preserva o que não conhece”.

Por fim, Álamo acredita que o estudo é capaz de transformar vidas, mesmo para quem nasceu no interior e enfrentou dificuldades.

Fonte: Diário do Nordeste

Imagens: Diário do Nordeste, Diário do Nordeste

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