O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que determine o envio, por parte das empresas de mídias sociais, de uma “lista completa com os nomes e dados de identificação dos seguidores de Jair Messias Bolsonaro”.
Segundo informações fornecidas pelo próprio subprocurador em seu pedido, o ex-presidente da República tem 15 milhões de seguidores no Facebook, 25,3 milhões no Instagram, 11,4 milhões no Twitter, 6,47 milhões no YouTube, 5,5 milhões no TikTok e 426 mil no LinkedIn.
E para quê tudo isso? Era de se esperar que Santos fosse capaz de explicar, de forma bastante convincente, como a posse de tamanha base de dados pudesse auxiliar em alguma investigação de crimes concretos. No entanto, nem o subprocurador conseguiu o efeito, tampouco a PGR foi capaz de fazê-lo, em nota divulgada após a repercussão negativa do pedido.
Se a PGR é incapaz de explicar com clareza como o envio desses dados ajudará a investigação, não existe nenhum motivo para que o STF autorize uma violação massiva da privacidade de inúmeras pessoas que não são investigadas por nada
“Impõe-se dimensionar o impacto das publicações e o respectivo alcance. Jamais iria investigar milhões de pessoas, seria até impossível fazer isso (...) Só há um investigado neste caso: o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro”, justificou-se o subprocurador. Em nota, a PGR afirmou que pretende “obter informações que permitam avaliar o conteúdo e a dimensão alcançada pelas publicações do ex-presidente em relação aos fatos ocorridos em 8 de janeiro nas redes sociais”. Ora, se é assim, existe um único usuário de mídias sociais cujos dados são necessários à investigação e cujas publicações precisam passar pelo escrutínio da PGR: Jair Bolsonaro, e mais ninguém. Curiosamente, o pedido deixa implícito que a investigação não sabe muito bem aonde quer chegar. O inquérito em questão, afinal, trata dos atos de 8 de janeiro; existe uma publicação específica na mira dos procuradores – um vídeo publicado dois dias depois, e que teria sido apagado posteriormente –, mas à exceção deste caso concreto o pedido menciona apenas que “o objeto em análise pode configurar, isoladamente, a prática de outros crimes por Jair Messias Bolsonaro”, sem dizer que outros crimes seriam esses.
Em bom português, até mesmo no caso de Bolsonaro parece estar em curso o que se chama de “pesca probatória”, prática abusiva em que os investigadores recolhem todo o material que puderem, sem saberem ao certo nem mesmo o que pretendem encontrar, mas convictos de que haverá algo que mereça sua atenção. Se é assim com o verdadeiro investigado, o que dizer da intenção de lançar a rede para pegar um cardume de dezenas de milhões de brasileiros, simplesmente porque curtem, seguem ou acompanham o ex-presidente, às vezes por razões meramente profissionais, sem que haja afinidade com a pessoa ou as ideias de Bolsonaro? Uma vez que a PGR é incapaz de explicar com clareza como o envio desses dados ajudará a investigação, não existe nenhum motivo para que Moraes autorize uma violação massiva da privacidade de inúmeras pessoas que não são investigadas por nada.
Se a PGR suspeita da existência uma rede de instigação a atos contrários ao Estado Democrático de Direito, com a participação de Bolsonaro, precisa arregaçar as mangas e fazer seu trabalho como deve ser feito: investigando publicações específicas com esse teor e as interações relevantes, como compartilhamentos feitos por outros perfis com volume substancial de seguidores. Em hipótese alguma pode-se compactuar com pedidos descabidos que violam garantias constitucionais sem razão alguma e criam uma legião de “suspeitos (ainda que não no sentido formal-jurídico da palavra) por seguimento”. Acompanhar um político nas mídias sociais – quaisquer que sejam suas opiniões – não é crime, e só um Estado totalitário pensaria em ir atrás dos dados dessas pessoas da forma como a PGR acaba de fazer.
GAZETA DO POVO
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